sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Motivos para ver: Philomena


Sabe quando a novela tenta tratar de alguma questão de cunho social, esbarra numa pancada de tabus e acaba se tornando apelativa e piegas? Não é o caso de Philomena, dirigido por Stephen Frears com roteiros e produção de Steve Coogan, que também atua como o jornalista Martin Sixtmith.

Frears deixa bem explícita a sua direção voltada ao trabalho dos atores, que estão excelentes em seus papéis, com destaque para os protagonistas, naturalmente. Judi Dench consegue transmitir a ternura de uma mãe com saudades, e também a insanidade daquela vovó quase caduca, que de tão simpática se torna imune ao mau-humor alheio. Ou quase. Como em um antagonista, encontra seu oposto em um frustrado Martin Sixmith, grosso e mau humorado, apesar do seu vocabulário “Oxbridge”.

Aos 18 anos, Philomena Lee pecou. Em uma noite de liberdade, na feira de uma pequena cidade na Irlanda, conheceu um belo rapaz que trabalhava nos correios. Ele elogiou sua beleza e ofereceu cerveja. Ela aceitou e se deixou levar pelo toque que despertava coisas que nunca sentira antes. Meses depois, as consequências do “crime” começaram a aparecer. Sua penitência duraria mais de 50 anos.

50 anos depois, Philomena, já uma senhora idosa (interpretada com impecabilidade e muita simpatia por Dench), decide revelar o segredo que guardou por todos esses anos e sair à procura de seu filho. Para isso, ela conta com a ajuda de Martin Sixmith (Coogan, ótimo), um ex-repórter da BBC que após perder seu emprego, entra meio que a contra-gosto na história de Philomena. Mas a medida que os inacreditáveis fatos que permeiam a história de Philomena começam a ser revelados, Martin acaba se envolvendo emocionalmente na história e na jornada dela.

Com esta premissa, PHILOMENA tinha tudo para cair no dramalhão Hollywoodiano. Mas nas mãos deste sensacional trio inglês, o filme se transforma em uma história surpreendente e até com algumas reviravoltas, pontuadas pelo melhor do ácido humor britânico.

No dia em que o filho completaria 50 anos, Philomena tem em mãos a foto do menino que uma jovem freira lhe entregou em sigilo. É a única prova da existência do menino. Sua angústia se manifesta com força nesse dia: quem seria o menino, onde estaria, como se saiu na vida, será que algum dia ele pensou na mãe, ou chegou a lembrar-se dela?

Além de profissional, Martin não é nada fã do catolicismo: é ateu declarado e não compreende como Philomena pode ser tão fiel à sua fé, depois da atrocidade que lhe fizeram as freias. 

Temas como adoção, homossexualidade, desmandos da igreja, sexo e ganância são tratados sem a menor cerimônia em Philomena, de forma honesta e aberta, mais um mérito do longa. O que me faz pensar, mais uma vez, que mesmo se apoiando em temas “polêmicos”, é possível contar boas histórias sem cair no sentimentalismo barato ou em discursos populistas. Philomena é um excelente drama, nada cansativo e com ótimos momentos de descontração. Bom para ilustrar que, mesmo em momentos de angústia e desespero, é possível sorrir um pouco, sem precisar ser idiota ou boboca para isso.



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Diana e seu esquecimento na premiação do Oscar


A Academia adora alguma história da realeza britânica, temos o exemplo clássico de O Discurso do Rei e A rainha. Contudo o ícone dos anos 80, a inspiração de muitas meninas que viam a história da plebeia e o príncipe acontecendo na vida real, foi esquecida pelas premiações na adaptação cinematográfica em 2013. Esperava no mínimo mais marketing e uma nominação de Naomi Watts, que foi lembrada pela atuação em O Impossível  no Oscar do ano passado.

Apesar da vida de Diana ter sido luxuosa e invejada, a princesa era traída por seu marido e rejeitada pela Coroa Real (a princesa via seus filmes em 5 e 5 semanas). O filme se passa dois anos antes de sua morte e mostra o envolvimento humanitário de Lady Di e a polêmica de seu divórcio com príncipe Charles. Em um primeiro momento do filme, a história orbita entre o início do relacionamento com o médico paquistanês Hasnat Khan. Apesar de, na vida real, nunca ter confirmado o envolvimento com Diana. 

Um ano depois, vemos a Lady Di em sua missão humanitária (seguindo a comissão internacional de genebra) na África, visitando crianças e adultos que tiveram seus membros mutilados por minas terrestres. Indiretamente ou não, essa parte se une aos quarenta minutos iniciais do filme, onde a princesa diz que se mutilava (incluindo braços e pernas) devido a pressão que sentia no casamento. 

A atriz Naomi Watts estudou o linguajar e o olhar da princesa - tão característico de Lady Di. Porém, lendo as críticas internacionais (e nacionais) juntamente com o desempenho do filme, encontro uma explicação para seu esquecimento nas principais premiações desse ano: a história da princesa não foi cem por cento biográfica, contando com alguns boatos e fofocas da época. Um jornal britânico chamou o filme de um "esforço barato", enquanto um jornal americano declarou que a produção "manchava o nome da princesa". 

Por fim, vinte minutos antes do fim, chegamos ao envolvimento de Diana Spencer com Dodi Al Fayed e o falecimento dos dois. Nessa parte, deu a entender que Diana não gostava de Dodi de verdade, deixando uma incógnita. A produção francesa merece ser vista para cada um fazer seu próprio julgamento sobre o filme. Mas na minha opinião, ela não impressionou nem um pouco...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Motivos para ver: Her

Spike Jonze é um homem com uma boa cabeça. Frequentemente no mundo dos curtas-metragens, tinha realizado até hoje 'Being John Malkovich', 'Adaptation' e 'Where the Wild Things Are' e ao 4.º filme conseguiu a sua obra-prima, num argumento maravilhoso totalmente escrito por si. 'Her' é muito provavelmente o Melhor Argumento Original do ano. Ganhou o Globo de Ouro nessa categoria e é pertinente, sensível e inteligente.

Num futuro não muito distante do mundo atual, Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) acabou uma relação recentemente com Catherine (Rooney Mara) e é responsável, numa empresa, por escrever cartas de amor pessoais para pessoas com dificuldades em expressar os seus sentimentos. Theodore é um homem solitário, fechado no seu mundo até ao dia em que compra um sistema operativo com inteligência artificial, projetado com base nas sua personalidade e com a capacidade de evoluir como um ser humano. "Samantha" (voz de Scarlett Johansson) e Theodore desenvolvem uma relação, acabando o OS por aprender progressivamente como são as relações humanas, embora sem nunca ter um corpo que permita que a relação dê um passo determinante. Tudo o resto é cinema, bom cinema, é uma evolução bem pensada, futurista, mas tangível. São sentimentos sem toque e ensinamentos metaforizados.


O intelecto de Spike Jonze permitiu que 'Her' seja tudo: drama, ficção científica, romance e até comédia. É um filme sobre relações humanas e sobre o amor, com Samantha a funcionar na perfeição como a redoma individualizada que a tecnologia nos permite hoje em dia. Pode um homem apaixonar-se por uma máquina? Claro que a esta pergunta de normalmente fácil resposta, importa acrescentar que a máquina tem a voz da Scarlett Johansson.

Apesar de ainda manter um pé no inusitado, o novo filme de Jonze, “Her”, é sem dúvida o filme mais bonito e sensível do diretor. Um belo retrato do difícil ato de se envolver em uma relação e se apaixonar, seja pelo que for, até por um sistema operacional (!)

No elenco, Joaquin Phoenix carrega o filme nas costas, em mais ótimo desempenho e repleto de nuances. Phoenix é sem dúvida o ator que, por merecimento, seria o próximo a ganhar um Oscar de Melhor Ator. Mas não necessariamente por este filme, apesar da fantástica interpretação. Quem também está muito bem, e sem sequer mostrar a cara (ou o corpo) é Scarlett Johansson, no papel de Samantha, o tal sistema operacional da história. Sem seu maravilhoso trabalho de voz, “Her” não funcionaria de jeito nenhum.


“Her”  foi indicado a 5 Oscars, incluindo Melhor Filme e Roteiro Original (escrito pelo próprio Jonze), mas dificilmente levará alguma estatueta para casa. O que não diminui em nada o brilho deste filme belo e poético, que fala de maneira tão bonita sobre a difícil mecânica das relações, sejam elas entre marido e mulher (ou ex-mulher), ou mesmo entre homem e máquina. E principalmente, que mostra que a realização de qualquer indivíduo, independe da natureza de suas relações. Ainda sem conhecer uma única avaliação negativa, "Her" mostra-se já como um dos filmes mais conceituados de 2013.